
Minha
esposa ganhou convites para o espetáculo de patinação “Disney on Ice”,
em que diversos personagens da Disney dançam e deslizam em belas
coreografias sobre o gelo. Nunca tinha assistido a nada do gênero, não
fazia ideia de como era. Por isso, levamos nossa filhnha filhinha de 2 anos no colo, quando, no meio do
show, entraram em cena todos os bruxos e bruxas dos desenhos da Disney,
numa grande e animada coreografia. Confesso que me assustei e me
preocupei. Deveria eu deixar minha doce e inocente filha ficar vendo
feiticeiras e feiticeiros num cativante espetáculo de som e luz? Será
que aa ao Maracanãzinho.
Lá estava eu, com miquilo despertaria seu fascínio pelo assunto? De algum modo aquilo a
levaria a se tornar uma satanista, uma adepta da bruxaria, uma
depravada, uma apóstata ou mesmo uma cristã mística que dedica mais
tempo ao diabo do que a Deus? Deveria eu me levantar e ir embora? A
dúvida me consumia, quando entraram em cena Mickey, Minnie, Pateta e
Pato Donald e, em meio a muita algazarra, expulsaram todos os bruxos de
cena, enquanto a música celebrava a vitória do bem sobre o mal e a
criançada ia ao delírio com a derrota das forças malignas. Sussurrei no
ouvido de minha filhinha: “Tá vendo, filha, Jesus deu um jeito de fazer
os maus irem embora”. E ela começou a gritar, animada: “Sai, bruxa má!”.
Esse episódio me fez refletir muito sobre qual é a diferença entre
mencionar algo que vai contra os valores do Evangelho e
defender esse algo. Até que ponto discorrer sobre um pecado estimula a prática desse pecado?
Minha conclusão é que entre
mencionar e
defender a
diferença é monstruosa. No entanto, muitos de nós, cristãos, não
conseguimos enxergar essa fronteira. Uma das áreas em que isso fica mais
claro são as artes, haja vista as antigas polêmicas que envolvem
questões como “música gospel X música do mundo”, “crente pode ir ao
cinema?” etc. Sei que essa é uma discussão sem fim, que desperta paixões
e defesas arraigadas, impulsivas e até agressivas (por favor, seja
gentil ao discordar de minhas posições nos comentários…), sei que tem
gente que considera a Disney um império satânico (graças a uma série de
fitas de videocassete que um pastor com intenções que só cabe a Deus
julgar lançou anos atrás, com algumas verdades sobre mensagens
subliminares mas também com muitos exageros). Todavia, gostaria de
compartilhar alguns pensamentos sobre o assunto.

Sempre
defendi que não devemos deixar nossos filhos expostos de peito aberto a
literaturas e filmes como os das sagas “Harry Potter” e “Crepúsculo”
(perceba: eu disse “de peito aberto” e não que devemos proibi-los
totalmente de ler tais obras). E explico por que precisamos nos
acautelar com esse tipo de literatura: durante séculos, toda e qualquer
representação de bruxos era sempre aquilo que a bruxaria de fato é: má. A
bruxa da Branca de Neve, a bruxa da Bela Adormecida, a bruxa dos
desenhos do Pica-Pau, a bruxa de Monteiro Lobato… todas as bruxas,
enfim, sempre foram retratadas como alguém que joga no time do mal. Suas
histórias nos estimulavam a fugir da bruxaria e a repudiá-la. Harry
Potter não. Na série do bruxinho bonzinho, o bruxinho é… bonzinho. Essa é
exatamente a questão. Ele é o herói. Ele é o tal. Ele é bacana. Ele é
quem nossos adolescentes querem ser quando crescer. Eis aí o problema: o
bruxo é o cara.

Nas
histórias da saga “Crepúsculo” acontece o mesmo. Embora vampiros, ao
contrário de bruxos, sejam seres fictícios, nessa saga eles são lindos,
sedutores, charmosos, os galãs por quem as meninas suspiram. Mas os
personagens vampiros são e sempre foram criaturas das trevas. Se você
lhes aponta a cruz de Cristo o que eles fazem? A abraçam? Ou fogem?
Então seres das trevas que fogem da cruz passaram a ser glorificados
pela ficção. Até bem pouco tempo atrás os vampiros dos livros e dos
filmes eram sempre tenebrosos, horripilantes, assustadores. “Crepúsculo”
mudou isso e tornou desejável ser ou admirar alguém que foge da cruz de
Jesus. É tudo uma questão da mensagem que é transmitida.
Então vemos que um pano de fundo belo pode ser o cenário para a
transmissão de valores bem ruins do ponto de vista bíblico. Por exemplo:
já expus em posts como “
Cristão deve ouvir música do mundo?” e “
O que é boa música evangélica?”
que não vejo base bíblica para proibir cristãos de ouvir músicas
seculares cujas letras não sejam antibíblicas. Mas isso deve ser sempre
com cautela, analisando cuidadosamente e à luz das Escrituras aquilo que
se consome. Para fazer um teste sobre isso decidi, por curiosidade
pessoal, analisar letras de músicas de um artista que não é do meu gosto
musical (e que, por isso, praticamente desconhecia seu repertório), mas
que foi indicado por um homem de Deus a quem respeito muito e que gosta
dele. Por essa razão decidi analisar as letras de suas canções e
encontrei, em meio a muitas músicas inofensivas e bonitas aos ouvidos,
também muitas que visivelmente contrariam o Evangelho e seus valores.

Minha
cobaia foi Ivan Lins (que fique claro que nada aqui versa sobre a
pessoa desse artista, apenas sobre as letras das canções que
interpreta). Fiquei surpreso e assustado com a quantidade de valores
antibíblicos em muitas de suas letras. “Vitoriosa”, “Porta entreaberta”,
“Dinorah, Dinorah” e “Lembra de mim”, por exemplo, defendem uma
sexualidade contrária ao padrão que as Escrituras estabelecem. Ainda
nessa área, “Ai, ai, ai, ai, ai” exalta a paixão sexual ultrarromântica,
assim como “Arrependimento”, que diz “Te amo, te amo, te amo / Mais que
tudo, mais que Deus”. “A gente merece ser feliz” e “Daquilo que eu
sei” defendem o hedonismo. “Caminhos cruzados” advoga o amor irracional.
“Acaso” transgride a soberania de Deus ao atribuir ao acaso fatos da
vida. “Lua soberana” louva Iemanjá. Em “Ainda te procuro” a alusão é a
buscar o amor nas cartas de uma cigana e em “Então é Natal” se insere no
meio da música o mantra dos Hare Krishnas, “Hare Rama”. Já “Festas”
passa uma noção totalmente equivocada do que é o Natal. A canção
“Cartomante” faz um salada ecumênica: “Tenha paciência, Deus está
contigo / Deus está conosco até o pescoço / Já está escrito, já está
previsto / Por todas as videntes, pelas cartomantes / Tá tudo nas
cartas, em todas as estrelas / No jogo dos búzios e nas profecias”.
E por aí vai.
Ou seja: nem tudo o que parece inocente apresenta valores bíblicos. Em tudo precisamos aplicar o tão falado
discernimento.
Agora é preciso observarmos o outro lado da moeda: uma obra de arte
apenas relatar histórias de pecados, idolatria, práticas equivocadas e
tudo o que há de pior não a condena. Que o diga a própria Bíblia, que
relata tudo isso e muito mais, da queda de Adão e Eva aos pecados das
igrejas de Apocalipse, passando pelos de Abraão, Moisés, Noé, Jacó,
Davi, Pedro, Paulo e muitos outros. O problema, a meu ver, é quando a
obra
defende a prática.

Já
vi cristãos bons e sinceros desmerecerem livros magníficos, como o
vencedor do Prêmio Nobel de Literatura “Cem anos de solidão”, que
relata, dentro do realismo fantástico de Gabriel Garcia Marquez,
histórias extraordinárias e explicitamente fantasiosas com pecados
gravíssimos, mas sem estimular ninguém a agir daquela forma. Ou “Crônica
de uma morte anunciada”, do mesmo escritor, um excelente livro que fala
do comportamento humano ante a morte certa. Ou, ainda, “O amor nos
tempos do cólera”, uma linda história que tem como mensagem principal o
fato de que o amor verdadeiro não depende de tempo, mas sim da pessoa
(Jacó, que teve de trabalhar 14 anos por Raquel, que o diga). Imagine se
fossemos condenar todos os livros de Sir Arthur Conan Doyle e Agatha
Christie, por exemplo, por sempre versarem sobre crimes. Sherlock
Holmes, a propósito, é viciado em cocaína e há roubos e assassinatos em
praticamente todas as suas histórias – mas nunca se faz nelas defesa
dessas práticas.

Enfim, o que consigo ver na produção artística de variados segmentos,
como a música, a literatura, a pintura, a escultura e outras artes é
tanto a defesa (provavelmente inconsciente, na maioria dos casos) de
valores antibíblicos (como nas músicas citadas acima) quanto a exposição
não panfletária de nudez (como a Vênus de Milo, que pratica
topless e deixa seu “cofrinho” à mostra –
ver fotos)
e a representação de um amor arrebatador, desesperado e
ultrassexualizado (como em Cantares de Salomão – na Bíblia). Aliás, para
quem lê Cantares entendendo o que lê, o comportamento sexual da família
Buendia de “Cem anos de solidão” parece história de ninar. Deveríamos
remover o livro mais erótico da Bíblia do cânon sagrado por causa
disso? Ou, talvez, deixar de publicar a Bíblia? Quem sabe ainda proibir
nossos filhos de ler as Escrituras, porque citam sexo, bruxaria,
assassinatos, genocídios, adultérios, demônios e outras coisas
terríveis?
Uma coisa é defender. Outra é relatar. Creio que, por esse pudor
bem-intencionado (é importante frisar isso) porém desconectado da
realidade, especialmente da realidade em que vivem os nossos jovens, uma
grande parcela da Igreja tem falhado profundamente em orientar as novas
gerações. Não é à toa que nossas igrejas estão cheias de adolescentes
solteiras grávidas e de adultos que nãos sabem como proceder com relação
às artes. Pois enquanto o mundo cai batendo sem piedade, nós ainda
falamos da abelhinha do papai pousando na flor da mamãe.
Há uma guerra grave e severa no mundo espiritual e, consequentemente,
nas instâncias humanas, por nossos corações e mentes. Falo de camarote:
eu mesmo já fui vítima dessa guerra e cometi pecados para os quais
hoje, após o arrependimento, olho com muita tristeza, profundo lamento e
sem acreditar que fui capaz de cometer tamanhas atrocidades. Só que
cometi e hoje, embora perdoado por Deus, carrego as cicatrizes – e para
sempre as carregarei. Guerras são assim: deixam mortos e feridos por
todos os lados e, se você não está bem protegido num abrigo antiaéreo,
será atingido. No caso, nosso abrigo chama-se Jesus de Nazaré. O mundo
está usando AR-15 e tanques, enquanto nós entramos com estalinhos e
pistolas de água. Fica fácil ver de que lado a corda vai romper, se
continuarmos nesse caminho. Temos de proteger nossos filhos para que
eles não cometam os mesmos erros abomináveis que nós cometemos no
passado – e essa proteção deve ser efetuada não com alienação, mas com
oração e as indispensáveis informação e instrução (sempre de forma
adequada para cada faixa etária, claro). Por ter cometido pecados que
hoje abomino tenho de lutar de forma arraigada para que minha filha não
os cometa.

O
problema é que estamos empreendendo essa luta da forma errada. Pois, em
grande parte, nós, cristãos, acreditamos que a alienação é a saída: não
deixe ter acesso e está tudo certo; proíba a leitura e seu filho nunca
vai pecar. Só que alienação não cria jovens santos: cria jovens
alienados. Isolamos nossas crianças e nossos adolescentes, em vez de
instruir e ensinar. Proibimos em vez de dialogar (como se eles não
fossem ler escondido ou na casa do coleguinha). A saída não é propor uma
abstinência dos livros que ganharam o Prêmio Nobel só porque eles
relatam histórias de pessoas que pecam, mas estimular que leiam e então
discutir com eles o que ali está relatado. Quando leio para minha filha
de 2 anos a história do Patinho Feio, explico que discriminar os outros
porque são fisicamente diferentes é errado, é racismo, mas não a proíbo
de conhecer a história. E, quando leio Chapeuzinho Vermelho, falo sobre a
maldade do lobo em oposição à bondade de Chapeuzinho, não a proíbo de
ter acesso por se tratar de um livro violento (lembremos que o lobo é
sumariamente executado no final). Que dizer então do Gato de Botas, um
mentiroso frio e calculista que, para se dar bem na vida, inventa mil
ardis para enganar o rei, incentiva outras pessoas a mentir, assassina
sem piedade o gigante para poder usar o castelo dele em seu plano
maligno de ascensão social e no fim… vive feliz para sempre. Leio com
minha filha a história, mas explico cada erro cometido, cada equívoco.
E, sabe… hoje minha filha não vai muito com a cara do Gato de Botas.

Sou a favor da boa música, secular ou cristã. Sou a favor da boa
literatura – secular ou cristã. Sou a favor das boas artes plásticas –
seculares ou cristãs. Não deixarei de estimular minha filha a ler a
magnífica obra de Gabriel Garcia Marquez, mas vamos conversar muito
sobre as mensagens de seus livros – as boas e as más. Não deixarei de levar minha filha para ver os quadros da fase negra de Goya (
ao lado)
devido à violência e ao mal retratados neles – mas lhe contarei por que
aquelas imagens são assim. Não vou fugir das galerias do Louvre onde
estão estátuas greco-romanas de homens nus, mas instruirei minha filha
sobre os conceitos estéticos vigentes naquelas culturas e o que podemos
tirar daquilo. Bem orientada, não creio que nada disso a tornará uma
depravada. Pelo contrário, a deixará instruída e prevenida. Até porque,
em paralelo, estarei ensinando a ela o Evangelho, explicando por que
Deus mandava seu povo dizimar nações à espada, permitia a poligamia,
mandava apedrejar pessoas até a morte, ordenava que cunhados se casassem
só para gerar descendentes e outras práticas bizarras que ali são
relatadas mas não estimuladas na nova aliança.
Porque, sejamos coerentes, se formos simplesmente proibir nossos
jovens de ler livros que contêm violência, relatos de atos sexuais
ilícitos e depravados, histórias de pecados horripilantes, descrições
extraordinárias de anjos duelando com demônios e relatos de experiências
de seguidores de doutrinas de demônios… nenhum deles jamais leria a
Bíblia.
Paz a todos vocês que estão em Cristo,
Mauricio
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Fonte:
Apenas1
Autor: Maurício Zágari